O Tempo

Sunday, October 02, 2005

O fim das "profissões masculinas”

É cada vez mais comum mulheres ocupando cargos antes restritos aos homens, como engenharia e condução de táxi

Júnia Leticia

Apesar da crescente representatividade feminina no mercado de trabalho, as mulheres ainda enfrentam preconceito ao exercer certas atividades. De acordo com pesquisa realizada em 2003 pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), apesar de serem 41% da População Economicamente Ativa (PEA), elas ocupam apenas 9% dos cargos de diretoria.

Com 26 anos de profissão, a engenheira de Minas Marivalda e Silva Marques engenheira Minas é um exemplo de mulher que enfrentou e ainda enfrenta desafios para exercer sua profissão. “Mas me considero uma pessoa de sorte, pois não tive dificuldades para encontrar trabalho e sempre fui bem sucedida no cargos que exerci”, comemora.

Atuando grande parte de sua carreira em posições de liderança, Marivalda Marques reconhece que, apesar de ter diminuído, o preconceito é uma das grandes barreiras para o crescimento profissional da mulher. “Ele ainda é muito presente, principalmente quando assumimos cargos de confiança. Os homens têm muitas dificuldades em aceitar uma mulher em uma posição hierárquica mais alta que a deles, sendo resistentes até mesmo para acatar sugestões”, diz.

Para driblar essas situações, a engenheira de minas conta que é necessário muito jogo de cintura. “A posição que assumimos com o grupo conta muito na hora de exercermos nossa função. É necessário se colocar claramente as regras estabelecidas e que elas tem de ser aceitas. Afinal, independente de ser homem ou mulher, quem está ali é o profissional”, ressalta.

Professora no curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), a engenheira sanitarista Cláudia Júlio Ribeiro conta que as engenharias são um exemplo de profissões ainda predominantemente masculinas. “Quando me formei, em 1984, 95% da sala era composta por homens. Hoje eles correspondem a 80%, mas em algumas instituições, como na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, as mulheres já representam metade da turma”, informa.

Mesmo tendo se formado em Engenharia Civil, Cláudia Ribeiro não enfrentou preconceito em sua trajetória profissional. “Como especializei-me e fiz mestrado em Saneamento, meio ambiente e recursos hídricos, atuei mais em empresas de consultoria. Já minhas colegas de turma reclamam da discriminação”, aponta. Segundo a engenheira sanitarista, para quem trabalha em campo, visitando obras, desde os chefes até os serventes têm muita dificuldade em aceitar que as mulheres têm a mesma capacidade que eles. “Mesmo com a mesma formação e exercendo o mesmo cargo, a força de trabalho feminina é menos remunerada que a masculina. Desta forma, a mulher acaba por ficar sobrecarregada, pois ganha menos para exercer uma dupla jornada diária, já que tem que conciliar o trabalho com os afazeres domésticos”, avalia.

Os obstáculos enfrentados pelas mulheres para vencerem no mercado de trabalho ajudam a estabelecer mais uma característica. Muitas profissionais optam por trabalharem como autônomas, seja abrindo pequenos negócios ou sendo profissionais liberais. Maria Madalena dos Passos decidiu ser motorista de táxi. Há dez anos na praça, a taxista escolheu a profissão para fugir do desemprego e do subemprego. “Foi uma forma de trabalhar por conta própria, com liberdade de horário”, realça ela, que já exerceu várias funções, desde vendedora de livros a proprietária de depósito de materiais de construção.

Para Maria Madalena Passos, as dificuldades que enfrenta no dia-a-dia da profissão são as mesmas enfrentadas por todos que estão no mercado de trabalho. “Para se viver, tem de se saber enfrentar obstáculos. Apesar de cansativa e estressante, a profissão é diferente e sem rotina”, avalia.

Apesar de não serem novidade no mercado de trabalho, Maria Madalena Passos conta que as taxistas ainda chamam a atenção das pessoas. “Até hoje vejo pessoas comentando ‘que legal uma mulher dirigindo um táxi’. É um comentário mais de admiração”, revela.

Quanto ao preconceito, a taxista diz que ele existe em qualquer área de atuação. “O machismo independe de profissão. Mas o que realmente importa é a forma como lidamos com o ele. Não podemos deixar que esse comportamento masculino nos influencie profissionalmente. Em meu trabalho, em especial, enfrento muito pouco preconceito”, conta Maria Madalena Passos.

Desigualdade salarial marca as diferenças profissionais

Além de salários mais baixos, muitas vezes em sua trajetória as mulheres tem de lidar também com a violência urbana. Um dos alvos que vem registrando aumento da ação desses tipos de atos são os ônibus coletivos. Com isso, profissionais como cobradoras e motoristas, mesmo satisfeitas com o trabalho, optam por mudar de carreira.
É o caso de Maria da Fé Pinto, que trabalhou como cobradora até julho desse ano. Apesar da crise no mercado de trabalho e do desemprego, ela preferiu abandonar a profissão que exercia há 11 anos. “Tinha muito medo, pois os assaltos eram constantes. Devido à ação de malandros e marginais, sentia que a qualquer hora poderia perder a vida. O trabalho do cobrador está sendo muito visado”, reclama.

Apesar da violência, a ex-cobradora diz que a experiência foi boa. “Enfrentei muito pouco preconceito no serviço. Em todo lugar há pessoas que não aceitam mulher no mercado de trabalho, independe da função que exerçamos”, conta Maria da Fé Pinto, que já exerceu diversas atividades.

Os assaltos também fizeram com que Márcia Maria de Resende abandonasse a profissão. “É muito gostoso trabalhar com o povo, apesar de às vezes ter alguma situações que nos estressam. A empresa cobra muito de nós e os passageiros não entendem a nossa posição. Mas esse tipo de problema acontece em qualquer área”, constata.
Devido à violência a que estava sujeita, Márcia Resende teve problemas de saúde. “A gente sai de manhã para ganhar o pão de cada dia e não sabe se vai voltar. É muito bom trabalhar na profissão, mas durante um ano e meio em que fui cobradora, fui assaltada várias vezes, sendo que em algumas delas tive uma arma apontada para minha cabeça”, reclama a ex-cobradora. As ameaças de passageiros que não querem cobrar a passagem também eram comuns no cotidiano de Márcia Resende.

Quanto à discriminação por ser mulher, Márcia Resende diz que não enfrentou na profissão. “Acredito que não existe preconceito, desde que você faça seu trabalho com honestidade”, pondera.

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